Condenada pela 36ª Vara Cível do Rio
de Janeiro a pagar R$ 5 mil ao juiz João Carlos de Souza Correa após um
desentendimento numa blitz,
a agente da Lei Seca Luciana Silva Tamburini, de 34 anos, disse ao G1 nesta quarta-feira
(5) que não teria como pagar a indenização. "Não tenho dinheiro para pagar
isso, é mais que meu salário", disse ela.
Ainda na terça,
internautas criaram uma "vaquinha
virtual" para pagar a indenização. Cerca de três anos
e meio depois de receber voz de prisão ao abordar um juiz em uma blitz da Lei
Seca na Zona Sul do Rio, a agente da operação foi condenada a indenizar o
magistrado por danos morais. Luciana Silva Tamburini processou o juiz João
Carlos de Souza Correa, alegando ter sido vítima de situação vexatória. Porém,
a Justiça entendeu que a vítima de ofensa foi o juiz e não a agente. Naterça-feira (4), ela disse que a "carteirada"
que recebeu do magistrado não foi a única ao longo de três anos que trabalhou
na Lei Seca.
"Isso acontece todos os dias e não só
comigo. Já recebi até um 'Você sabe com quem está falando?' da mulher de um
traficante de um morro de Niterói", contou.
Luciana
acrescenta que vai entrar com recurso no Superior Tribunal de Justiça (STJ)
contra a condenação que sofreu. Segundo ela, a
decisão do Tribunal de Justiça do Rio é desmotivante.
"É um absurdo. Porque você bota a
pessoa ali para trabalhar, para cumprir a lei. É uma pena a lei ser para
poucos, para pessoas que têm o poder maior que o nosso. Imagina se vira
rotina?", pergunta.
Ela disse ainda que acredita que esse tipo
de decisão não deveria afetar o trabalho que os agentes desempenham no
cumprimento da lei.
"O servidor público fica com medo de
aplicar a lei. Você não pode trabalhar com medo", explicou.
Sobre o uso da
expressão "juiz não é Deus", a servidora disse que houve
interpretação errada por parte do magistrado. Segundo ela, na época da
abordagem Correa chamou um policial militar e lhe deu voz de prisão.
"O PM já
veio na tenda onde eu estava com a algema dizendo que ia me algemar porque ele
[o juiz] queria. Eu então disse ao policial que ele queria, mas ele não era
Deus. O policial falou isso para o juiz. Não fiz isso com o objetivo de
ofender", contou.
Desde 2012
Luciana trabalha na área adminstrativa do Detran. Segundo ela, o motivo não foi
a repercussão do caso. Recentemente, ela passou em um concurso para escrivã da
Polícia Federal.
"Eu quero
continuar trabalhando com segurança pública. Quem está ali é gente boa.
Acredito nisso", completou
A agente comentou
ainda sobre a repercussão do caso na imprensa e nas redes sociais:
"É
importante como alerta para a sociedade. A lei está aí para ser cumprida, para
a gente se unir e ter um futuro melhor para filhos e netos. Não podemos ser
coagidos por nada".
Luciana também
revelou que soube do movimento "vaquinha virtual" para ajudar a pagar
a indenização ao juiz João Carlos de Souza Correa.
"Achei
ótimo, mas, se Deus quiser, não vai ser preciso pagar. Vou entrar em contato
para ver se é possível fazer uma doação para uma instituição de caridade",
disse.
Entenda o caso
A decisão, publicada na sexta-feira (31), foi tomada pelo desembargador José
Carlos Paes, da 36ª Vara Cível do Rio
de Janeiro. Ele entendeu que Luciana “agiu com abuso de poder,
ofendendo o réu, mesmo ciente da função pública desempenhada por ele”.
A blitz da Lei
Seca ocorreu na Rua Bartolomeu Mitre, no Leblon, em fevereiro de 2011. O juiz
João Carlos de Souza Correa conduzia um Land Rover sem placas e não tinha
carteira de habilitação. Luciana, na condição de agente de trânsito, informou
que o veículo teria de ser apreendido e levado a um pátio. O juiz, por sua vez,
exigiu que o carro fosse levado para uma delegacia. Ambos acabaram sendo
levados para a 14ª DP (Leblon), onde o caso foi registrado.
Conforme o G1 apurou à época, o
juiz alegou que a agente Luciana Tamburini foi debochada. Já a agente da Lei
Seca disse que o magistrado agiu com abuso de autoridade.
Luciana acionou a
Justiça alegando ter sido ofendida durante exercício de sua função. Ao analisar
o recurso, o desembargador José Carlos Paes alegou que “nada mais natural que,
ao se identificar, o réu tenha informado à agente de trânsito de que era um
juiz de Direito”, considerando assim que o juiz não agiu com a chamada
“carteirada”, conforme alegou Luciana.
Para o
desembargador, “em defesa da própria função pública que desempenha, nada mais
restou ao magistrado, a não ser determinar a prisão da recorrente, que desafiou
a própria magistratura e tudo o que ela representa”.
Ao fundamentar
sua decisão, o desembargador estabeleceu o valor de R$ 5 mil a ser pago por
Luciana ao juiz a título de indenização por danos morais. De acordo com o
Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, o juiz não vai se manifestar sobre o
caso.
Esclarecimento
A Operação Lei Seca divulgou nota onde esclarece que a Corregedoria do Detran
abriu um processo disciplinar para apurar a conduta dos agentes da operação na
ocorrência envolvendo o juiz João Carlos de Souza Correa e não constatou qualquer
irregularidade. Além disso, o registro de ocorrência realizado pelo crime de
desacato na 14ª DP (Leblon) foi formalizado como fato atípico pela falta de
provas.
De acordo com a nota divulgada pela Operação nesta terça-feira (4) o juiz fez o
teste do bafômetro, mas não portava a Carteira Nacional de Habilitação e
conduzia um veículo sem placa. Ao ser informado que o carro seria removido para
o depósito, o motorista acusou um dos agentes de desacato. O veículo foi
rebocado e ele recebeu duas multas, uma por não licenciar o veículo e outra por
não portar a CNH.
Segundo a Operação Lei Seca, todos os motoristas abordados nas blitzes são
submetidos aos mesmos procedimentos e a atuação dos agentes está de acordo com
a Lei.
A Operação Lei
Seca é uma campanha educativa e de fiscalização, de caráter permanente, lançada
em março de 2009, pela Secretaria de Estado de Governo do Rio de Janeiro. Desde
então, até a madrugada desta terça, quase dois milhões de motoristas foram
abordados, 328.065 foram multados, 67.901 veículos foram rebocados e 121.106
motoristas tiveram a CNH recolhida.
Foram 128.660
condutores com sanções administrativas, sendo que 4.263 deles também sofreram
sanções criminais. Os agentes também realizaram 1.467.548 testes com o
etilômetro.
G1.com
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